Heróis enferrujados

Está encontrado o último Defender. Mas a demanda final foi algo atribulada. Ironfist fica aquém do esperado.

Desde cedo a série foi envolta em polémica. Acusada de whitewashing e apropriação cultural, apesar da personagem original ser caucasiana, Iron Fist também não beneficiou dos comentários de Finn Jones nas redes sociais e entrevistas que foi dando (a certa altura chegou a dizer que a série não foi bem recebida por causa de Trump).  Quanto à questão cultural, muitos acusaram a Netflix e a Marvel de perderem a oportunidade de se actualizarem e devolverem a Iron Fist a identidade asiática que poderia ter tido desde o início; a personagem foi criada na década de 70 do séc. XX, numa altura em que (infelizmente) ainda eram “perdoados” certos tipos de comportamentos tidos como insensíveis nos dias de hoje.

Mas os problemas ainda mal tinham começado.

Polémicas à parte, esperávamos mais e a culpa é da Netflix por nos ter habituado a séries como Daredevil, Jessica Jones e Luke Cage. E a série até começa relativamente bem: Danny, filho de um empresário multi-milionário, regressa a Nova Iorque depois de 15 anos durante os quais foi tomado por morto mas que na realidade serviram para se tornar na arma viva conhecida como Iron Fist. O regresso vai servir para retomar as rédeas da empresa do pai e para tentar destruir finalmente a organização conhecida como The Hand.

Depois de ler este último parágrafo o conceito parece realmente datado e faria bem mais sentido há 10 ou mesmo 20 anos atrás, quando o Van Damme andava a distribuir calduços por tudo quanto mexia, no pico dos seus trintas. E  procissão ainda só vai no adro.

Logo desde o início, a personagem principal não convence, não é apelativa. É difícil criarmos empatia com Danny Rand, apesar de irmos conhecendo o tormento pelo qual passou. O comportamento da personagem é inconsistente, mesmo quando o guião o tenta justificar de maneiras pouco credíveis. O protagonista também não ajuda; este não parece o mesmo Finn Jones que vimos dar vida a Loras Tyrell em Game of Thrones.

Ao que parece, a culpa não foi completamente sua e isso transparece no resultado final. Mas é exactamente nestas alturas que se pode apreciar o gabarito dos verdadeiros profissionais – reza a história que em Six (já tinha falado dela aqui), depois de Joe Manganiello ter desistido, os argumentistas tiveram que fazer bastantes alterações ao guião depois do input de Walton Goggins. A Jones ainda lhe falta a estaleca para isso.

O bem que me faziam uns L. Casei Imunitas…

É estranho que o calcanhar de Aquiles da série seja o aspecto onde a mesma deveria brilhar mais: as cenas de acção, mais concretamente as cenas de luta. Apesar de aparentemente bem coreografadas, a pouca preparação de Finn e a montagem enfraquecem de tal modo as sequências ao ponto das mesmas se tornarem monótonas.

Os vídeos seguintes não são propriamente spoilers, mas ficam avisados na mesma.

Pior que isso, é não saber copiar àqueles que já o fizeram de maneira exemplar. Podemos ver um dos casos mais gritantes:

Há dois anos atrás, já Daredevil o tinha feito de uma maneira bem mais elegante, sem cortes (aparentes) e com um jogo de câmara impecável:

E fica sempre bem ver o provável original:

Por muito que tentassem dizer que não, a cena de Iron Fist é uma pobre tentativa de homenagem a Oldboy ou a reciclagem mal executada da cena de Daredevil. E é aqui que os realmente bons se distinguem dos medianos ou mesmo fracos. Na sequência de 2015 do “Homem sem Medo”, Murdock demoliu os adversários numa sequência fluída sem grandes malabarismos de edição (temos ali apenas 2, no máximo 3, momentos de corte bem disfarçados num total aproximado de 2 minutos). Já em 2017, Rand precisa de 41 (quarenta e um) cortes em menos de 1 minuto. Não só a montagem por si só é fraca mas tira também a força à cena, que poderia ter sido tão melhor.

Para reforçar a sensação de estranheza, temos duas cenas desta mesma série que provam que com um pouco mais de esforço Iron Fist podia ter tido um outro impacto.

Primeiro, uma cena de Colleen (Jessica Henwick) que nos faz considerar que, para além de asiático, talvez o Iron Fist devesse ter sido uma mulher:

Depois, aquela que alguns consideraram ser a melhor cena de luta da temporada (talvez com alguma razão), muito graças ao actor que esteve quase para ser o defensor de K’un-Lun (Lewis Tan):

Não ajuda que a dinâmica (pouco) apaixonada com Colleen não faça grande coisa pelo enredo; Davos (Sacha Dhawan) demora a decidir em que prato da balança pretende ficar; ao menos Claire (Rosario Dawson) consegue trazer algum bom humor bem necessário.

É isto e muito mais que nos faz não gostar de Iron Fist. E era fácil gostarmos do milionário com coração de ouro, mas o raio do miúdo insiste em andar de Aston Martin para perseguir traficantes de droga. É este desequilíbrio que nos faz torcer o nariz às desventuras de Danny, quando se decide pregar a atitude zen numa viagem de jacto privado a caminho da China.

É fácil começarmos a ver a série e ao 2º episódio pensarmos que afinal a crítica estava errada, que afinal isto está melhor do que nos tinham anunciado; mas é difícil aguentar 13 episódios quando ao 10º já estamos a revirar os olhos e a rezar para que alguém nos espete um punho de ferro nos rins e acabe com o nosso sofrimento.

Por tudo isto, aqui na Tasca não conseguimos tragar mais do que

Tremoçómetro 5

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